Tudo começou naturalmente, com apenas mais uma grande reportagem, em 2007.
A direção de informação da TVI enviou-me para o Gana, como tantas outras vezes o tinha feito para a Bósnia, Timor, Afeganistão, Macedónia e NY no 11 de Setembro.
A reportagem sobre escravatura infantil no Gana, era apenas mais uma na minha carreira. Engano o meu.
No dia em que cheguei ao lago Volta com o cameraman Júlio Barulho, escutei o silêncio ensurdecedor do maior lago artificial do mundo onde sobrevivem milhares de crianças de 3 e 4 anos, com corpos anormalmente musculados e rostos infantis, e percebi, naquele momento, que a minha vida não ia poder voltar a ser a mesma.
Aquela experiência foi assustadoramente transformadora. Pela primeira vez em 30 anos de jornalismo, afastei-me da Repórter e comecei a resgatar crianças. Resgatei o ALEX Queitey, o Isaac e o pequeno Ormand que, como todas as outras tinham sido vendidas, pelos próprios pais, a traficantes por menos de 20 euros para trabalharem 14 horas/dia, 7 dias/ semana como escravos na pesca do lago Volta.
Passaram 9 anos desde os primeiros 3 resgates – um processo difícil e longo de convencimento e mentalização de pescadores, sem lhes pagar um tostão pelos miúdos – e hoje já temos um Centro de Acolhimento, em Kumassi, no Gana onde garantimos saúde, alimentação, segurança e educação a 65 crianças, com a nossa parceira americana Touch a Life Kids.
Estas crianças hoje são livres, vão à escola e são felizes. O silêncio ensurdecedor do Lago do inferno, transformou-se numa deliciosa melodia de gargalhadas infantis, onde para resgatar estas infâncias a arte assume um papel fundamental.
Tudo isto, construído durante 9 anos, não é obra de uma pessoa. Só foi possível graças ao empenho de muitos amigos e, sobretudo, queridos voluntários a quem apenas paguei um salário emocional. Tudo isto é a prova real é inquestionável de que, todos juntos, podemos mudar o mundo, um pouco todos os dias.
Eu sei que ainda há escravatura infantil no Lago Volta, mas também tenho a certeza que o mundo destas 65 crianças, e o nosso próprio, já mudou para melhor.
Os nossos Voluntários e o meu maior exército – as crianças portuguesas das escolas onde faço palestras- foram essa importante cadeia de Amor.
A campanha RESGATE SORRISOS do Pingo Doce, foi apenas mais uma desafio que Leiria, em peso, abraçou.
Começou tudo no coração da Carla Oliveira, colaboradora do Jornal AmorMais, e espalhou-se como uma doença de amor contagiosa, primeiro pela redação, depois por Monte Real e, por fim um pouco por toda a cidade de Leiria.
Ironia do destino o movimento ter começado na freguesia de Amor!
A vida ensinou-me há muito tempo que não há coincidências. Há sinais que temos que estar despertos para conseguir ler. Este é óbvio demais para que, todos, independentemente da raça, da cor política, do sexo, do credo e da conta bancária, não o consigamos perceber: o Amor é transformador.
Obrigada a todos pelas “paletes” de amor que nos doaram e que vão permitir transformar infâncias duras e lágrimas de sangue em genuínos sorrisos infantis.
Bem haja, em nome das crianças escravas do Gana.
Texto por Alexandra Palma Borges, Presidente da ONGD Filhos do Coração