Início Entrevista 600 noites no Oriente!

600 noites no Oriente!

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Depois de 50 minutos à conversa por Skype, esta acabou às 20:30 de Portugal, 23:30 nos Emirados Árabes Unidos, de onde no dia seguinte, Joana Rita Santos (23 anos, Casal dos Claros) iria viajar para Phuket (Tailândia) como assistente de bordo da companhia aérea Etihad Airways Global. Uma das suas 6 viagens este mês para este destino asiático.
Para melhor compreender o Dia Mundial da Diversidade Cultural, resolvemos conversar com aquela que será uma das mais viajadas amorenses.

Boa noite Joana, de onde veio este teu interesse por outras culturas?

Eu sempre gostei de viajar, de experimentar comida nova. Estive envolvida nos escuteiros, no Agrupamento 1166 Amor até ir para a universidade. Nós temos várias actividades, não só a nível distrital, em que conhecemos vários agrupamentos de outras freguesias, como a nível nacional, onde convivemos com pessoas de todo o país e arquipélagos, e aí reparamos nas palavras que eles dizem, nos hábitos, como tanta coisa pode ser diferente.

Fizeste a tua formação académica com isso em vista?

Tirei uma licenciatura em Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa. O meu objectivo de trabalhar no estrangeiro já existia há muito tempo, mas quando escolhi o curso, tinha pensado em trabalhar como relações externas numa empresa (lidar com importações, exportações, etc). Ao entrar na universidade percebi que este estava mais direccionado para cargos políticos (embaixadores e cônsules). Ora vagas nesses lugares são muito reduzidas, então tive de ir por outros caminhos.

E esses caminhos ganharam asas…

Não foi logo! Comecei por trabalhar num hostel em Lisboa, enquanto procurava algo ligado à minha formação. Uma colega minha da universidade, falou-me que algumas companhias aéreas do Médio-Oriente estavam a contratar. Curiosamente, sempre achei graça à aviação. A minha mãe conta sempre uma história que eu quando era pequena, não queria ser bailarina, mas sim “pilota”!Entrevista - Joana Rita Santos1

Quais eram as exigências para o trabalho?

Temos de falar e escrever fluentemente em inglês, de saber nadar, de conseguir chegar com as mãos esticadas a uma altura de 2m12. Precisamos ter facilidade na comunicação. Depois avaliam a nossa apresentação e imagem. Não podemos ter tatuagens ou piercings visíveis, e temos de ter pelo menos o secundário completo, mas se tivermos um curso superior é uma vantagem! Trabalho todos os dias com pessoas de países diferentes, muitas vezes nem sequer com portuguesas ou europeias.

E como foi o processo de selecção?

Tive 2 entrevistas, até ter passado e entrado para a Etihad Airways Global, tendo começado a trabalhar em setembro de 2014.

E lá foste tu para os Emirados Árabes Unidos…

Mais precisamente para Abu Dhabi, onde vivo agora. A cidade é bastante bonita, pois tem várias marinas, está virada para a água, e o “skyline” é bastante giro.

A Grande Mesquita é linda, no meio do deserto, coberto de ouro e mármore, as luzes fazem efeitos indescritíveis, e cria uma noção de espaço que nunca tinha visto.

Como foi ir viver para um país distante e aparentemente tão diferente do nosso?

Eu preparei-me para o pior. Estava preparada para ver as mulheres todas tapadas, para quando quisesse sair à rua ter cuidado com a roupa, se calhar não podia conduzir, ou ter um estilo de vida tão europeu. Claro que existe o choque quando se vê uma mesquita, ou porque não estava habituada a lidar com muçulmanos praticantes, mas as diferenças não são assim tão grandes. É mais normal existir curiosidade mútua entre as tradições diferentes do que outra coisa (porque como bacalhau no Natal ou vou a casa na Páscoa). Consigo vestir o que quiser e me apetecer, andar por onde quero, conduzir, sair à noite. Às vezes num lugar mais recatado, pode um segurança chamar atenção se levar um decote maior, mas nada de especial.

90% da população dos Emirados Árabes são estrangeiros. É uma comunidade internacional, não é bem o estilo europeu, mas é uma mistura. É como se estivesse a viver em vários países ao mesmo tempo.

Depois vem o nível de segurança na rua…

Segurança?

O nível de segurança na Europa é alto. Portugal é um país seguro mas continuam a existir assaltos ou violações, e pensei que se calhar aqui poderia ser pior. Cheguei cá e estou num dos países mais seguros do mundo! Se estiver na rua e me esquecer do meu telemóvel em cima da mesa ou da carteira, vêm sempre a correr atrás de mim, a devolver tudo, sem faltar nada! É super seguro. Aqui simplesmente, por anos de cultura, não existem roubos.Entrevista - Joana Rita Santos2

O que sentes que ganhaste a nível pessoal com este trabalho?

Paciência! Entre os europeus, a maioria dos costumes são muito semelhantes mas depois… Existem muitas pessoas que não sabem utilizar uma casa-de-banho, que não sabem que têm de esperar a sua vez, ou pedir por favor ou dizer obrigado. Em alguns países não têm por costume utilizar o “faz favor” regularmente. É preciso ter paciência, porque podemos pensar que as pessoas estão a ser mal educadas, mas não estão, são apenas um reflexo da sua cultura. E temos o contrário também. Se eu estiver a contar os passageiros, não posso apontar o dedo, pois para certas culturas isso é extremamente ofensivo, então tenho de o fazer com a mão aberta. Podiam assumir que estava a falar mal deles, que lhes estava a desejar mal…

Esses mal entendidos acontecem muitas vezes?

No último voo, por exemplo, ao servir um casal árabe, perguntei-lhes o que desejavam comer. A senhora estava a usar uma burca, e com o barulho do avião, não a conseguia compreender. Ao fim de algumas tentativas, eu pedi-lhe se podia falar um pouco mais alto, porque como não conseguia ler os lábios dela, não estava a conseguir compreender o pedido dela. O marido chateou-se, disse que eu não estava a respeitar a cultura deles. Foi um bocado complicado, mas no final, acabaram por compreender que era uma questão inocente por causa do barulho. É preciso ter cuidado ao dizer as coisas, para evitar problemas de comunicação.

Depois, sempre me considerei uma pessoa desenrascada, mas este emprego provou-me essa utilidade. No meio de um voo, é muito comum virem-me perguntar onde podem espalhar o tapete para rezar, algo que faria abrir a boca a qualquer amigo meu em Portugal. Abre-me imenso a visão, habitua-me há diferença!
Acabas por ter de saber muita coisa sobre muitas culturas diferentes…

Eu tão depressa estou aqui, como em Portugal, ou na Austrália, ou na Tailândia. Ajudou-me a deixar de ter uma visão redutora do mundo. Podemos criar a nossa vida em qualquer lado, é só querermos.
Já foste a quantos países diferentes?

31 países na Europa, Ásia, África, América do Norte e do Sul. Como o meu avô diz: eu estou por trás do sol posto, pois aqui o sol nasce no mar e põe-se na terra, ao contrário de Portugal.Entrevista - Joana Rita Santos4

Qual o teu país favorito?

O Japão! Tokyo é lindo! Aquilo é totalmente diferente. Sinto que estou dentro de um filme, de um planeta diferente. É uma sensação UAU! Têm uma organização estupenda, as pessoas vestem-se de maneira diferente. Tudo é mecânico, tudo faz sentido. E a comida é uma perdição. O sudoeste asiático tem praias bonitas, mas são muito sujos. Nos Estados Unidos [da América], parece que estamos de novo dentro de um filme. Mas a Europa é muito bonita, existem lugares lindos.

Qual foi a cultura que mais te surpreendeu?

Os nepaleses são um povo muito zen, são super hospitaleiros, fazem-nos sentir o seu calor, a sua simpatia. São pobres, mas humildes, prontos para te dar tudo para te sentires bem ou confortável. Até os americanos são bastante surpreendentes, porque são muito expressivos, do meio do nada, sem nos conhecer, são capazes de fazer um elogio a algo que tenha vestido e alegrar-te o dia com a sua energia.Entrevista - Joana Rita Santos3
Já te sentes em casa aí? Não há saudades?

Aqui foi fácil sentir-me em casa, embora sempre que vá a casa adore uma torrada com Sumol, ou o coelho com arroz de ervilhas da minha mãe para o jantar! Mas é o mesmo efeito que chegar ao Brasil e ver azeite Gallo à venda no supermercado. Ou existir uma parte de Banguecoque (Tailândia) que se chama “Bairro Português”. Ou no Japão, é mais fácil te safares se falares português do que inglês. Encontro Portugal espalhado por todo o lado, e isso mata um pouco as saudades e sentimos aquele orgulho de sermos portugueses. Em último caso, tenho o meu frigorífico atulhado em bacalhau!

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