Aproveitámos a época natalícia para ir conhecer um pouco mais do Padre Isidro, pároco de Amor. Numa conversa informal, recebeu-nos na residência paroquial e, sem fugir às perguntas difíceis, lembrou que a Igreja (e o actual Papa) são o reflexo da sociedade, mas que esperam poder elevar a humanidade.
Vamos começar por falar um pouco do seu lado mais pessoal…
Sou Isidro da Piedade Alberto, tenho 73 anos, sou natural da Bajouca que, na altura, pertencia à freguesia de Monte Redondo. Toda a minha família era da Bajouca, embora os meus trisavós fossem de origem germânica.
A sua infância foi passada numa aldeia não muito diferente de Amor…
Eu nasci lá, e lá fiz a minha escola primária. Depois, como os meus pais tinham possibilidades, fui estudar para um colégio interno em Sintra (Lisboa). Foi aí que me abri ao mundo. Nasci numa aldeia e nunca imaginava que o mundo fosse tão grande e tão belo. Estudei lá até ingressar no curso liceal. Aí fiquei por opção vocacional nos Irmãos de São João de Deus enquanto estudei no Liceu Passos Manoel, em Lisboa. Acabado o 7º ano, fui enviado para Roma com 18 anos, onde estive 3 anos a fazer o curso Filosófico-Teológico. Voltei para Portugal, comecei a estudar enfermagem no Instituto de São João de Deus (em Sintra). Resolvi interromper o estudo da enfermagem e voltar a estudar teologia e ingressar no sacerdócio. Acabei por pedir para voltar para a minha Diocese, onde fui ordenado na Sé de Leiria, em 1972.
Acabou também por trabalhar em vários países…
Estive na Alemanha (em Frankfurt) e em Inglaterra (Londres) como capelão de emigrantes, e em França a estudar. Estive no Brasil durante cinco anos a tomar conta de uma paróquia com 35 mil habitantes, no interior de São Paulo [ndr: de 1976 a 1980 foi pároco em Adamantina]. A igreja lá é muito aberta, e eu abri-me muito. Tornei-me mais simples, deixei o protocolo; o povo brasileiro é muito hospitaleiro, trazem os padres nas mãos, eu sentia-me uma formiga no meio de tanta bondade.
Quando sentiu que isto seria a sua vocação?
Foi depois de completar o curso em Roma, tinha 24 anos. Antes disso o meu sonho era ser médico. Quando interrompi o curso de enfermagem era porque queria ir para medicina, mas andei ali a navegar, naquela idade das opções… Andamos assim,na corda bamba, sem saber bem por onde ir. Abrem-se muitos caminhos à nossa frente, mas só podemos escolher um. Inicialmente era a medicina, mas mudei: em vez de estar na cura do corpo, estou na cura da alma.
Sei que já percorreu várias paróquias [ndr: 15 com Amor e Regueira de Pontes], qual a característica que define a paróquia de Amor?
Tem boas famílias! Tem famílias coesas, unidas, onde se nota que há muito carinho e solidez, uma boa relação humana entre gerações. E estas são as células da sociedade e da Igreja. É muito importante.
Aproxima-se o natal, que também é uma celebração da família. O actual Papa exorta muito a que a Igreja se abra para lá do conceito tradicional de família. É fácil passar ao seu rebanho esta noção de tolerância para com aqueles que estão habituados a julgar como diferentes?
A Igreja como comunidade de fé, desde o princípio tem defendido a ideia de Cristo sobre a família. A vida da Igreja é aquilo que a sociedade é, e o trabalho da Igreja é sempre evangelizar e defender a dignidade das pessoas, independentemente das várias nuances da sociedade. A Igreja tem e quer estar presente em todas as famílias. O Papa Francisco abriu os horizontes e é um sinal de esperança para que as pessoas não se afastem da Igreja quando entram por sua livre vontade. Quando vamos analisar a vida de Cristo, percebemos que se ele se dava com todos, não condenava ninguém, mas também não absolvia quem escolhia viver de forma egoísta. A Igreja é como Cristo, está com todos e não quer voltar a marginalizar ninguém como no passado. Mas a Igreja é feita de homens, e como os homens, vai amadurecendo. A sociedade é pluralista, a Igreja também tem de o ser, sempre com a verdade de Cristo. A igreja católica tem esta capacidade fantástica, de se adaptar a todas as culturas, para as evangelizar, mas sendo tolerante, respeitando. É Cristo que quer que sejamos tolerantes, que respeitemos as convicções de cada um.
Aqui na freguesia com as três igrejas nem sempre parece haver muita união…
Eu tenho de ser o elo de ligação entre as várias igrejas, mas eu já estive em muitas paróquias e nunca encontrei nenhuma tão unida como esta. Em termos de relação humana, de colaboração e participação. São 3 centro de cultos, mas uma só paróquia, uma família.
O acto de celebrar uma missa é um acto público. É preciso falar alto, celebrar toda a liturgia e, embora faça parte do “trabalho”, nem sempre é fácil para todas as pessoas discursar em público. Teve dificuldade em encontrar o seu tom?
Não tive dificuldade, não existem artifícios nenhuns, é tudo natural. Também já me habituei, são muitos anos. Mesmo no início não foi muito complicado. Tive muita preparação antes e tinha o chamamento de Alguém, aquela voz a dizer “Isidro preciso de ti”. A função do sacerdote é presidir à oração. Os fiéis vêm livremente e o sacerdote é o animador, está ali a apresentar e comunicar Cristo. Eu sinto-me como alguém que tem de animar a celebração da fé, transmitindo Cristo. Eu por mim mesmo, não sou nada, estou ao serviço de Alguém que está acima de nós, que é Deus, que me ajuda. Eu sinto de tal forma a ajuda, que parece que a sinto ao vivo. Estou aqui enquanto Deus, e o Bispo, me quiserem.
Um padre é sempre acarinhado e criticado, como é lidar como esses dois lados: as críticas e as expectativas do paroquianos?
Também sentimos as nossas dificuldades, as nossas imperfeições. Por vezes, queremos e não podemos, não conseguimos fazer mais e melhor. O padre é apenas um colaborador do Messias, mas tudo depende da participação da comunidade. Nós trabalhamos em grupos, existe uma organização na paróquia que envolve todos os sectores da sociedade.
Voltando atrás, falou de estar aqui enquanto o Bispo quiser. Pode explicar?
Antigamente os padres eram nomeados sine die. Agora, existe rotatividade nas paróquias, por um período de 6 anos [chegou à paróquia em 2012]. Aos 75 anos [daqui a 2 anos], vou poder deixar o activo e passar a padre emérito. Amor será provavelmente a minha última paróquia antes da reforma. Ser pároco é uma grande responsabilidade, temos de gerir um mundo de coisas.
Sinto alguma tristeza em pensar na reforma…
Não, não. É o sentimento de missão cumprida. Continuarei a trabalhar à mesma, celebrar missas, confissões, cumprir serviços para a diocese.
Nesta altura natalícia, as pessoas relembram-se da Igreja, existe um regresso às origens…
Durante 300 anos os cristão apenas celebravam a Páscoa. O natal apenas surgiu no século IV, depois da liberdade religiosa dada pelo imperador Constantino. Fez-se uma reflexão aprofundada sobre o nascimento e a infância de Jesus, e começou a celebrar-se o natal de maneira muito simples até à invenção do presépio por São Francisco de Assis. Só no século XIX é que se começa a paganizar, com o aparecimento da árvore de natal, o pai natal, etc. Ninguém sabe se Jesus nasceu no dia 25 ou não, não há provas, mas existe a ligação ao Sol Invictus, que era uma tradição do Império Romano e substitui-se o culto do Sol pelo nascimento de Cristo. Logo após o solstício de inverno, os dias começam a ter mais horas, e Cristo aparece como um novo sol que nos ilumina.
Para algumas pessoas é a compra das prendas, os jantares em família. Não quer dizer que não tenha sentido mas, enquanto umas só vivem isto, outras vivem o mesmo mas iluminadas pela fé em Cristo, relembrando o centro do Natal: uma pessoa, o nascimento de Cristo.